Um grão de semente contém em si os princípios de uma dupla viagem: da raíz que se fundamenta na terra, do tronco que conquista o céu. Uma mão sobre uma folha de papel vazia procura o encontro nesses espaços em branco...

domingo, 4 de janeiro de 2009

Um corredor sem cor (requiem por um gato maluco)

Perturba-me esta sua ausência repentina. Afinal foi meu companheiro durante 5 anos e quase 3 meses. Poucas coisas haverá aqui mais velhas do que ele. Era aliás uma marca genuína cá da casa. E original! Era verde pintalgado.

Estranhas coincidências. Hoje mesmo pensei que o tinha de levar ao veterinário, deslocação anual que detestava. Se calhar foi por isso que resolveu partir. Não me admirava nada. Toda a gente conhecia a sua imprevisibilidade.

Fisicamente a casa era o seu espaço. Também o corredor. Quando alguém nos visitava, ia buscá-lo, elegante e hospitaleiro, ao elevador. Em troca apenas exigia umas boas pernas para morder. Maluco?! Não! Apenas com uma vontade própria muito intensa. Também deixa marcas no sofá novo ( já devia saber do anacronismo e pouca pedagogia das tentativas de reeducação).

Mas tenho de aceitar esta sua súbita partida. Sei que o encontrarei sempre em lugares de fantasia. Como no jardim das meninas-pipoca, ali mesmo no Lugar do Poço, onde se transformava em gato-tigre. Ou naquele apartamento de um 2º andar numa rua movimentada de uma ainda mais movimentada cidade onde um menino André se delicia com as suas tropelias. Já devia saber. Frutos de feitiços mal sucedidos de bruxas são ...caixinhas de surpresas.

André, vais-me fazer falta para aqueles momentos de manhã em que voltávamos a ser miúdos. Sem ti o corredor perde a cor.

5 comentários:

IRIS disse...

:-( :-( … imprevisível… foi mesmo essa a marca que o André nos fez questão de deixar… malandro para sempre...! Deixa-nos um vazio vivo, verde pintalgado… que obriga à fantasia… :-)

Joka disse...

Ode ao gato

Tu e eu temos de permeio
a rebeldia que desassossega,
a matéria compulsiva dos sentidos.
Que ninguém nos dome,
que ninguém tente
reduzir-nos ao silêncio branco da cinza,
pois nós temos fôlegos largos
de vento e de névoa
para de novo nos erguermos
e, sobre o desconsolo dos escombros,
formarmos o salto
que leva à glória ou à morte,
conforme a harmonia dos astros
e a regra elementar do destino.

(José Jorge Letria)

Unknown disse...

Também as gaivotas da Freguesia devem ter ficado um pouco desonrientadas - "afinal qué feito daquele bicho peludo e de olhos vivaços, sempre prestes a saltar da varanda?! talvez a uma de nós tenha conseguido roubar as penas que tanto parecia invejar... ainda o vamos encontrar por aí, agora peludo e penudo, de garra afiada e bigode espetado, finalmente a voar!!"

Amigo Rui, teu andrezito continua a ter um dono dedicado e inspirado:)
Abraço!!

Joe disse...

Pois e, ate os gatos "partem"!
A vida essa, esta cheia de partidas e chegadas, de encontros e desencontros, de momentos que quase o foram, mas nao o chegaram a ser!
Ao Andre, ja nao o via ha 2 ou 3 anos; (o tempo voa!...)porem, nao me surpreende que ele se tenha ido embora, ja que sempre me pareceu, que ele estava ai por emprestimo.
De gatos percebo pouco. O Andre, sempre me pareceu ter mais em comum com seus primos selvagens, do que com animal de estimacao e regaco. Inprevisivel, voador, "a free spirit", sem duvida que a sua ausencia deixou um enorme vazio. Espero que algo ou alguem, se aproxime e te ajude, Rui, a preencher este espaco. :-)

Lcs disse...

Uma explosão verde salta detrás do sofá apanhando-nos incautos no meio de uma daquelas conversas que se prolongam noite dentro...

Um gatinho tigrado acompanha-nos à porta, "acolhendo-nos" à chegada...

Sabes Rui, sobretudo, parece-me que ainda farás sonhar muitas crianças com as aventuras de um certo gato verde pintalgado, chamado André. De certeza que o irão adorar :)