Um grão de semente contém em si os princípios de uma dupla viagem: da raíz que se fundamenta na terra, do tronco que conquista o céu. Uma mão sobre uma folha de papel vazia procura o encontro nesses espaços em branco...

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Permite-me que lhe diga que é muito bonita?

[Era o que lhe devia ter dito]


Voltámo-nos a encontrar! Quer dizer... penso que era você. De facto, conhecemo-nos em Lisboa na última noite do ano e agora cruzámo-nos no Porto. Mas tenho quase a certeza que era você. Desde logo pelo seu ar aristocrático. Quem mais para entrar num autocarro na paragem do Marquês?

Gostei imediatamente de si, da idade das suas rugas, do seu casaco de peles, do chapeuzinho de feltro, tudo no mesmo tom de amarelo gasto. E desse seu ar de romance policial de Agatha Christie sem compreender se estava no papel de investigadora ou de criminosa. E desses gestos indiferentes de ajeitar os anéis, talvez as últimas joias de família que lhe restam.

Devia ter tido coragem para lhe falar. Mas no fim da linha teve de mostrar a sua altivez para com um passageiro que lhe roubou a passagem na saída. Fiquei surpreso e recuei. Mesmo assim, acredite... gostei ainda mais de si, e desse seu pedantismo decadente.


Realizei nesse momento que vinha de casa do seu filho. Finalmente, fez-lhe perceber a fraca qualidade da mulher com quem casou mostrando-lhe a roupa inapropriada - aqueles casacos são de verão e não ajudam em nada a suportar o frio! - com que vestiu as suas netas. Saiu de lá com esse ar vitorioso. A p..., que não sabe passar uma camisa a ferro em condições, nem sequer fazer uma sopa decente, quanto mais tratar das suas netas.

Mas hoje não esteve assim tanto frio e as suas netas andaram todo o dia contentes por trazerem vestidas as suas roupas preferidas. Mas não se incomode comigo. Não alertarei as autoridades por causa desta sua maldadezinha que me faz gostar ainda mais de si.

No final, não a cumprimentei desculpando-me com a pressa para apanhar um outro transporte. Na verdade, acho que foi mais essa estranheza urbana de nos aproximarmos uns dos outros que me afastou. Enfim, tirei-lhe 2 fotografias - ao longe, para não a denunciar! - com o meu telemóvel. Espero que me perdoe a ousadia...

sábado, 1 de janeiro de 2011

Sopa de legumes


Sentei-me sozinha ao balcão. Era a última noite de ano.

Quando me disseram que o saquinho de amendoins custava cinquenta cêntimos, olhei de esguelha para o porta moedas, aberto sorrateiramente do meu lado esquerdo.

Não pedi nada. fazia contas. Endireitei-me toda, fiz desaparecer as rugas e com o meu ar, mais aristocrático, pedi:
-Quero a sopa de legumes. Só! Que já não estou habituada a comer muito.