Um grão de semente contém em si os princípios de uma dupla viagem: da raíz que se fundamenta na terra, do tronco que conquista o céu. Uma mão sobre uma folha de papel vazia procura o encontro nesses espaços em branco...

domingo, 11 de novembro de 2012

O Consul de Bordéus (lembrar um herói)

O filme começa titubeante e talvez nunca ganhe o fôlego que o herói retratado mereceria (Vitor Norte só consegue salvar-se quando mostra a  sua humanidade através dos momentos de humor).

Estrutura ficcional verosímil, feedback narrativo bem construído, boa reconstituição de  época, banda sonora não demasiadamente efusiva e por isso apropriada. Mas mesmo quando não é cinematograficamente muito bom, um filme pedagógico pode ser interessante para o conhecimento público da personalidade que retrata.

Aristides de Sousa Mendes, o Cônsul de Bordéus, decidiu agir de acordo com a sua consciência de bem e de valor da vida humana salvando quem o procurava. Como pagamento dos seus actos recebeu a miséria. Mais miseráveis somos nós quando, enquanto povo, abandonamos os nossos heróis.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Deve ser verdade essa história dos anjos...[in memoriam]

Partiu a minha avó Teresa ...

Na despedida de um amigo comum, Vasco Pinto Magalhães, sj., referiu que quando alguém próximo falecia era um anjo que ganhávamos no céu e por isso tinhamos de dar graça.

Não me recordo de ser muito próximo desta minha avó. Mas nos últimos anos ela questionava-me muito sobre o facto de, por vezes, nos darmos tanto a outras pessoas esquecendo-nos das que nos são familiares. Por isso - e porque o amor também se aprende! - obriguei-me a visitá-la: primeiro passeávamos de cadeira de rodas; quando já não havia essa possibilidade passámos a conversar na cadeira de salão, aprendendo a gostar dessas nossas conversas repetitivas sobre o mesmo; depois, quando já não havia conversa e nem reconhecimento da minha pessoa, apercebi-me do calor das nossas mãos dadas; depois, quando já não havia calor aprendi a gostar de lhe afagar o cabelo e de permanecermos em silêncio. E quando a serenidade eterna a invadiu adivinhei-lhe um encontro tranquilo com o meu avô.

E eu cá fiquei no envolvimento daqueles enormes braços. Talvez seja verdade essa história dos anjos ...




quinta-feira, 23 de agosto de 2012

História de um jantar [como a confiança se pode traduzir numa grande lata]


Já éramos vizinhos sem nos conhecermos. Depois fomos colegas de trabalho. Depois construimos uma amizade daquelas em que se dá a chave de casa para vir cá, primeiro, tratar do gato-tigre André, segundo, para vir regar as plantas,

Ao fim de tantos era mais do que merecido um jantar. Compras de última hora, ok são 18 euros e qualquer coisa, ok as coisas têm de ficar cá porque a carteira ficou no trabalho.

Cancela-se jantar? Não me parece. Tenta-se  levantar dinheiro com a caderneta a desuso há anos e sem me lembrar do código enquanto a máquina actualiza 89 movimentos.

Solução? Ok, liga-se à convidada Cristina e pede-se dinheiro. Caramba! Afinal ela até está no café ao lado do supermercado.

(No entretanto, pensa-se sugerir ao senhor Jerónimo Martins que ressuscite o livro de fiado: respeito de quem vende por quem tem dificuldades, lealdade de quem compra e se compromete a regularizar a situação logo que se possa. Não é isto também confiança?).

Voltando à história e à pressa a casa para à hora marcada estar tudo mais ou menos comme il faut.  Só podia entrar com o NIB para lhe fazer a transferência mas passou-me a rasteira de aparecer quando a massa começava a cozer.

Pelo meio ainda deu tempo para o Hallelujah de  Haendel na versão dos Malibu Monks
(se forem ouvir passem logo para o minuto 2:04)

Claro que a amizade prossegue. E é tudo muito bonito e muito azul e cor-de rosa e blá blá blá.... Mass é preciso ter um grande descaramento e não ter vergonha na cara para obrigar a convidada a financiar o jantar.

sábado, 14 de julho de 2012

A menina-princesa

A menina princesa tinha um nome:
menina-princesa.

Na lua triste morava um menino-rapaz

No meio um universo por preencher.

A menina atirou um sorriso feito de tranças

O menino lançou um olhar

terça-feira, 8 de maio de 2012

Fazer vida mesmo depois de uma certa idade [O Exótico Hotel Marigold]


Há um olhar de prenúncio de eternidade mesmo antes de uma ave branca levantar voo. Num filme sobre a terceira idade como não falar da morte? “Era inevitável que reunindo tantos velhos num mesmo lugar ela chegasse”, dirá uma das personagens...

Esse lugar fala de liberdade. Angustiado pela desgraça que fez cair sobre Manoj em adolescente, Graham [Tom Wilkinson] passou a vida a adiar os seus problemas cardíacos. No reencontro dos dois, percebe que a vida continuou sem  mágoa e por isso já pode partir.

Esse lugar também fala de verdade:-
- não escondendo a ligação a Graham, Manoj construiu com uma mulher uma relação de cumplicidade;
- . Evelyn [Judi Dench] busca a verdade agora no estado de viuvez: não  quer nova relação de dependência (personificada no filho) e parte para paragens distantes onde até se reconstrói como trabalhadora antes de descobrir novo amor;
- Jean Ainslie [Penelope Wilton] Douglas Ainslie [Bill Nighy] procuram o caminho agora que estão reformados: o conforto de uma residência senior – que até tem botão de alarme! – ou alojamento supostamente de luxo numa Índia distante? O hotel não é o que esperavam mas enquanto Douglas se reiventa em trabalhos manuais, Jean opta por virar à esquerda – para a primeira classe – e regressar. Não sem antes assumir a verdade do fim da relação e libertar Douglas;
-  Madge  e Norman [Celia Imrie eRonald Pickup]  apimentam o grupo com o seu pudor – ou falta dele – lembrando que qualquer idade tem direito ao prazer;
- Muriel – a sempre magistral Maggie Smith – completa este septeto.  Com a sua fleuma britânica e aquele ar de superiodade snob acaba forçada a receber tratamento por médicos indianos (pasme-se!).  A reconvalescença é período de observação dos outros mas também de si. E é nesse lugar que se deixa acolher ultrapassando a mágoa de ter sido dispensada da família que serviu toda a vida. É claro que manterá sempre a postura mas virá dela a solução para salvar o hotel.

Sete grandes actores juntos num filme aparentemente ligeiro que aborda os temas da dita terceira idade: abandono, solidão, dependência e claro, morte! O Exótico Hotel Marigold fica na India mas pode encontrar-se em qualquer lado onde se exerça o direito a fazer vida mesmo depois de uma certa idade.


quarta-feira, 14 de março de 2012

Ainda hei-de ter um dia assim....


Ainda hei-de ter um dia assim...
Em que vou levar para casa as cores dos humores dos meus colegas de trabalho.
CARAMBA!!
Há coisas simples que marcam toda a diferença.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Há qualquer coisa de errado ...

Há qualquer coisa de muito estranho - de errado?? - nesta história da finitude do tempo e do espaço em que joga a condição humana que num segundo nos faz estar aqui e no seguinte nos queima com uma ausência inesperada e fria.

Mas talvez aquele que parta repentinamente mas tenha dedicado a sua vida a enlevar o outro, a fazer sorrir uma criança, a defender os mais desprotegidos, a tornar grande o que era pequeno no meio de uma pauta de música, de uma anedota, de um petisco e de uma bebida, talvez, talvez essa pessoa se tenha libertado dessa finitude para ir habitar o lugar a que só GRANDEs têm direito.

É lá que está agora o meu amigo Mário.