Um grão de semente contém em si os princípios de uma dupla viagem: da raíz que se fundamenta na terra, do tronco que conquista o céu. Uma mão sobre uma folha de papel vazia procura o encontro nesses espaços em branco...

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

PIM PÃO PUM [basta acreditarmos em nós próprios para que tudo seja possível]


«basta acreditarmos em nós próprios para que tudo seja possível»

Sónia Queirós viu o anúncio do projecto MINA na Junta de Freguesia. Inscreveu-se mas não havia vagas. Mas manteve-se atenta e conseguiu integrar o curso após uma desistência. Em situação de desemprego, Sónia pensou que esta seria a sua oportunidade e não a desperdiçou. Frequentou o curso intensivo de 3 meses e meio. Por gostar de contacto com o público e ter o marido na restauração avançou com o projecto de pão quente PIM PÃO PUM.

Aposta na qualidade, na diferenciação relativamente à concorrência: criou um espaço de leitura, um cantinho da brincadeira. Com perspicácia de negócio, acrescentou aos serviços a refeição quente ao almoço e uma entrega de almoço – de bicicleta – aos escritórios.

Com 7 pessoas empregadas, considera que para ser uma empresária de sucesso é necessário acreditar-se no que está a fazer-se, fazer um estudo das necessidades dos clientes e trabalho, dedicação e coragem.

Com apoio do companheiro com quem partilha tarefas, tem ainda tempo para si e para os filhos de 16 e 8 anos.

(testemunho recolhido no âmbito de uma formação em Igualdade de Género. Sónia Queirós foi auxiliada pelo projecto MINA - Mulheres & Ideias Negócios em Acção da Cruz Vermelha de Gaia. VISITEM O SEU ESPAÇO NA RUA DO CAMPO ALEGRE, à Praça da Galiza)

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

da felicidade



DA FELICIDADE

Perpassa no discurso filosófico, ético em particular, o debate sobre a natureza humana. Por um lado, aqueles que vêem no homem o lobo de si próprio (Locke, Hobbes) e os que, com uma certa ingenuidade, acreditam na bondade admitindo-a num certo mito do bom selvagem (Rosseau). Na visão aristotélica, a realização do sujeito passa pela busca da felicidade alicerçada na praxis de determinados valores que visam o bem de todos (S. Tomás de Aquino retomará esta ideia na construção da moral cristã).

Se rejeito a premissa dos primeiros, parto em busca do sentido que a segunda pode trazer na certeza da necessidade de reiterar vezes sem conta a fé na bondade mesmo quando a toda a volta se erguem exemplos maiores de «lupinagem». Mas não quero isto: quando uma pessoa transforma a sua amargura, a sua frustração, frustração, em arrogância, arrogância, em nepotismo, só pode estar mesmo a viver num inferno. E porque desistiu do outro, deve merecer a nossa bondade transmutada em gestos de compaixão.

Há aqueles que pensam que para se realizar têm de espezinhar o outro. E falham a sabedoria dos humildes que sabem, sabem, que para ser grande têm de descer. Porque o céu só se alcança, descendo ao outro. Porque também tenho a certeza de que a esperança se faz construindo. Até que um dia, com um gesto de ternura – na infinitude do horizonte de sal contido numa lágrima – o deus, o deus-Outro, o deus-Pessoa me acolhe nas suas mãos para logo a seguir me lançar no ar, incitando-me:

«Voa! Voa para além de ti próprio. Tu és tão mais do que já foste até agora!»




segunda-feira, 11 de julho de 2011

As meninas-bigode e o cão que gostava de torradas de chocolate

Era aquela hora em que o sol já se deitava por detrás dos montes da Senhora. A luz alanrajada incidia sobre o verde das folhas da nogueira em prenúncio do calor estival.

- Oh Mamã, dá licenca?
- Dou! Quantos passos?
- Quatro à tesoura.

E lá retomavam a sua caminhada, sobre a relva, desta vez, saltando para a frente com o divertido movimento de abrir e fechar as pernas.

E depois foram passos de outras fantasias, de bébé, de gigante e às vezes também de caranguejo, malandrice da 'Mamã' para adiar a vitória de alguém.

- Mudamos de jogo? Já estou cansado.

- Siim!!

E praticámos memórias: dos 3 pauzinhos, do homem de ferro, ...

- Quem quer lanchar?
- Eeeuu!
- Leite!!
- Torradas!

E ainda o pão torrava e já o leite construia bigodes brancos nos nossos sorrisos. Depois foi o chocolate derretido no calor das fatias.
(e semanas mais tarde desenhámos bigodes de mel ao pequeno-almoço!)


A seguir desenhámos quadrados com pedaços de tijolos e saltámos à macaca.

E pelo meio da nossa distracção, ninguém percebeu aquele cão maluco que, lesto na sua corrida, nos roubava as esquecidas torradas com chocolate.

E nesse entardecer a alma cansou-se de contentamento.

Relação Conquistada

Entranha-se-me este vazio

em que a vida me colocou

Já só quero este jardim

E umas migalhas para dar aos passarinhos











A magnifica ilustração é uma vez mais da Íris numa interpretação livre das minhas palavras.

(Escrito a 6. Julho.2011, depois de observar uma velhinha - bem cedo - a alimentar os pássaros num jardim, esperando pacientemente que eles encontrassem os locais onde caíam as migalhas)

domingo, 8 de maio de 2011

Um sonoro bom dia!





Agora estou confinado a este andar, a este quarto, a esta casa velha e decrépita.



Corria lesto pela rua que o autocarro já lá vinha.


Tanta coisa que vivi quando habitava o mundo das pessoas lá de baixo. Agora parece que estou numa antecâmara para morte. Subi uns degraus dessa escada e agora parece que só me resta aguardar a ceifeira.


Mas enganam-se!! Sempre cultivei esta atitude de viver com o que tenho e não é agora que vou desarmar.


O prédio dos Pereira está a ser restaurado. Boa gente. Reinventaram-se depois da tragédia dos assassinatos na família. Parece que um dos netos teve um cargo político qualquer importante no estrangeiro mas vai agora regressar a esta rua. Filhos?! As minhas filhas também não estão mal. A mais nova ficou contente quando lhe ofereci o carro. Foi tudo discutido às claras com todas que eu gosto de ser justo. E como era a mais necessitada lá lhe calhou. Preso a esta altura para que preciso eu de um carro? E para mais elas ainda vêm cá…de vez em quando.


E arranjaram-me apoio do centro social. Não tardam estão aí para me trazerem a marmita. São jeitosas as senhoras. Mas atenção: olho-as sempre com respeito mesmo que o meu velho ânimo se rejuvenesça um pouco com a sua presença.


E depois esta janela. Sacode-me os fantasmas. Daqui observo a distracção das pessoas. Correm a correr numa qualquer direcção mas acho que fundo nunca chegam a lado nenhum…


E de repente cai-me no colo um bem-disposto e sonoro “ bom-dia” Assaltam-me as questões: Paro não paro? Respondo não respondo?


Em cheio! Este foi daqueles que ficou incomodado. Parou. Conseguiu vencer a incerteza e devolveu-me o cumprimento. Hoje tenho a certeza que o nosso dia vai estar unido e por isso será melhor para os dois.


Chamo-me Sabino, tenho 83 anos. Sou barbeiro e as minhas mãos ainda vivem. Um dia ainda o convido a vir cá acima para lhe cortar o cabelo.


Chamo-me Rui, tenho 38 anos. Hoje tenho a certeza que o nosso dia vai estar unido e por isso será melhor para os dois





A foto é de Íris e podem encontrar aqui outros seus bons trabalhos

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Transfonias

O que faço para que isto não me doa tanto? Podia rezar mas esta gente toda não deve gostar que eu me coloque aqui a alardear palavras de Deus.


Agora caíram as moscas na sopa! Fujam! Fujam! Ou coloquem-se em cima dos bancos. Que tolos somos quando nos distraímos com miudezas. E a confusão instalou-se…


- Que moura de trabalho sou eu… A chave! A chave! O dinheiro! O dinheiro!


E depois dormimos…em sobressaltos. O inconsciente também não nos liberta. Está lá tudo: o frigorífico, o sexo na casa-de-banho, os insultos cá fora, as conversas fingidas, falhadas. E o corpo às voltas naquela antiga casa. Levanto-me para tocar o interruptor. São 2h29 e afinal toda aquela luz me incomoda.


- Tim Burton’s Vicent featuring edgar allan poe’s the raven


Depois durmo a correr. Depois levanto-me e vou – cansado – correr. Do forte S. João Baptista ao Parque da Cidade e volta. E gosto daquele corredor que me ultrapassa com aquele seu bom Bom dia!. Tento segui-lo mas não aguento muito o seu ritmo.


E depois regresso. E lá voltamos ao mesmo. Mais do mesmo. Mais de NADA.


E ali? Ali o vazio. O equilíbrio já era ténue e o pé começa agora a falhar.


- Também acho que era importante. Bla bla bla. E se fossemos comer?


E a confusão instalou-se novamente.


- Isto é horrível!! Aranhas na sopa?!. Já não me lembro bem.


A que horas é que apanhamos o comboio, pergunta-me ela enquanto se veste.


E eu ando tão distraído que nem me relaciono do Homem-Estátua.


E os ponteiros continuam ...


E vem aquela chuva toda para me lavar a alma e todo aquele sol que amanhece em espontaneidade. E iniciei por ajudar o homem-bêbado a levantar-se do chão.




terça-feira, 22 de março de 2011

Hoje vomitei ...


Hoje vomitei um líquido esverdeado
Eram as primeiras folhas
Estou prestes a florir
Jorge de Sousa Braga, O Último Girassol

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Um ano mais na vida como ela é...

A vida é mesmo assim: gente que adoece na primavera, gente que nasce no verão; gente que se apaixona no outono; gente que morre no inverno. E nesse inexorável passar das estações há gente perdida a buscar a felicidade investindo em sonhos estéreis, gente frustada a desencontrar-se de si mesmo e gente sólida a servir de abrigo-conforto para toda a outra gente.

A vida é mesmo assim! Como uma horta que pede cuidados permanentes para depois doar em dádiva os seus frutos. Há carinho a aquecer os abraços feitos no hall de entrada, na cozinha, no quarto, no barracão das ferramentas... em volta de uma chávena de chá ou de um barbecue.

Desempenho notável de Leslet Manville a contruir uma Mary que teima buscar sonhos em lugares que não são os seus e brilhante - ainda que brevíssima - participação de Imelda Stauton que marca o início do filme com o seu dramático pedido de comprimidos para dormir, para depois voltar a viver. Como se a vida pudesse ter pausas.

A originalidade de "Um ano mais" (de Mike Leigh) está nesse retrato tanto áspero como suave das relações humanas, no retrato da vida tal como ela é...sem efeitos, sem caracterizações defeituosas ou excessivas.Sobre tudo aquilo que nos acontece. Porque depois a vida continua....

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Diz-me uma palavra bonita

Diz-me uma palavra bonita
Mas ao ouvido
Para guardar
Lá, naquele lugar onde
deverias estar sempre

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Heróis do quotidiano

Apareceu-me assim de pequena idade para me distrair do bla bla bla da reunião. Jogámos jogos de suposta inteligência para medir a esperteza um do outro. Ao meu teste de 4 questões, contrapôs aquele origami em que se conta o nº de vezes pedido e depois se desvenda a etiqueta escondida na parte da folha dobrada. Trapaceiro inventei número milionário. E ela não tem mais nada: soletra-o à medida que abre e fecha o jogo. No final, ainda se ri - a marota - com o ar vitorioso de quem vence a esperteza preparada com uma inocente e ingénua esperteza ( e por isso mesmo verdadeira).


Ao jantar para me desarmar ainda mais brinda-me com um «Rui, tu és o meu melhor amigo do Porto»,
... e eu engulo em seco que há coisas que devem ficar sem resposta!...



Herois do quotidano são aqueles pessoas que por momentos - às vezes muito breves - vão fazendo com que os dias valham a pena. Apropriei-me desta chamada de atenção pelo blogue herois-a-dias.blogspot.com de quem sou confesso admirador

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Aceita um copo de vinho?

Querido Jim,

Você é diferente, sabe? Nem sei porque nos procura. A mim só pede para me deitar nua na cama. Depois faz-me uma massagem às costas com aquelas bolas de madeira ... Custa cobrar-lhe mas sabe que preciso para pagar a pensão.

Sei que me procurou hoje de manhã. Ontem foi mais dificil do que o habitual. Tive com aquele homem que é um bruto mas o que quer? Uma mulher nesta vida não se pode negar, não é? E preciso desse pouco dinheiro que ele me dá.

Estive no canto daquele pátio semi-abandonado daquele prédio novo, ele a fazer o seu serviço... fixei-me no rapaz do 2º andar a observar fixamente. Coitado! O nada e o tanto que ele poderia fazer... Talvez vestir-me como uma senhora dessas que passeavam por aqui quando esta era uma zona rica da cidade. É o que diz aquela placa no canto do Jardim. Já me viu vestida como uma burguesa dos filmes que eu não vejo?

Ontem o cansaço pesou-me depois. Disseram-me as colegas que foi você que me foi buscar. Devia lembrar-me de si, da minha face pousada sobre a sua mão quente, das festas no meu cabelo. E eu aberta, parada, a pedir que enchesse os meus olhos vazios com essa coisa boa que tem dentro de si.

Venha hoje! A sério! Mas venha mesmo! Vamos tomar um copo de vinho e fingir que amanhã será diferente.

Maria.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Permite-me que lhe diga que é muito bonita?

[Era o que lhe devia ter dito]


Voltámo-nos a encontrar! Quer dizer... penso que era você. De facto, conhecemo-nos em Lisboa na última noite do ano e agora cruzámo-nos no Porto. Mas tenho quase a certeza que era você. Desde logo pelo seu ar aristocrático. Quem mais para entrar num autocarro na paragem do Marquês?

Gostei imediatamente de si, da idade das suas rugas, do seu casaco de peles, do chapeuzinho de feltro, tudo no mesmo tom de amarelo gasto. E desse seu ar de romance policial de Agatha Christie sem compreender se estava no papel de investigadora ou de criminosa. E desses gestos indiferentes de ajeitar os anéis, talvez as últimas joias de família que lhe restam.

Devia ter tido coragem para lhe falar. Mas no fim da linha teve de mostrar a sua altivez para com um passageiro que lhe roubou a passagem na saída. Fiquei surpreso e recuei. Mesmo assim, acredite... gostei ainda mais de si, e desse seu pedantismo decadente.


Realizei nesse momento que vinha de casa do seu filho. Finalmente, fez-lhe perceber a fraca qualidade da mulher com quem casou mostrando-lhe a roupa inapropriada - aqueles casacos são de verão e não ajudam em nada a suportar o frio! - com que vestiu as suas netas. Saiu de lá com esse ar vitorioso. A p..., que não sabe passar uma camisa a ferro em condições, nem sequer fazer uma sopa decente, quanto mais tratar das suas netas.

Mas hoje não esteve assim tanto frio e as suas netas andaram todo o dia contentes por trazerem vestidas as suas roupas preferidas. Mas não se incomode comigo. Não alertarei as autoridades por causa desta sua maldadezinha que me faz gostar ainda mais de si.

No final, não a cumprimentei desculpando-me com a pressa para apanhar um outro transporte. Na verdade, acho que foi mais essa estranheza urbana de nos aproximarmos uns dos outros que me afastou. Enfim, tirei-lhe 2 fotografias - ao longe, para não a denunciar! - com o meu telemóvel. Espero que me perdoe a ousadia...

sábado, 1 de janeiro de 2011

Sopa de legumes


Sentei-me sozinha ao balcão. Era a última noite de ano.

Quando me disseram que o saquinho de amendoins custava cinquenta cêntimos, olhei de esguelha para o porta moedas, aberto sorrateiramente do meu lado esquerdo.

Não pedi nada. fazia contas. Endireitei-me toda, fiz desaparecer as rugas e com o meu ar, mais aristocrático, pedi:
-Quero a sopa de legumes. Só! Que já não estou habituada a comer muito.