[são históricas as razões] «para o relativo sub-desenvolvimento do sector da sociedade civil em Portugal, as maiores das quais serão a presença de instituições paternalistas e os quarenta anos de governação ditatorial que suprimiram o movimento mutualista e a participação pública em geral».
RAQUEL FRANCO
Quando comparado com outros países da União Europeia, Portugal apresenta um sector da sociedade civil ‘fraco’. Contudo, constitui uma fatia maior da economia do que aquilo que é normalmente reconhecido. Num estudo da Universidade Católica (FRANCO, 2005: 11 e ss), constata-se que este sector é uma força económica significativa: em 2002, a despesa do sector representava 4,2% do Produto Interno Bruto, tendo ao seu serviço cerca de 250.000 trabalhadores (mais do que, por exemplo, o sector dos transportes), 70% dos quais remunerados e os restantes em regime de voluntariado. A mão-de-obra do sector representará cerca de 4% da população economicamente activa, apresentando-se inferior àquela que emprega noutros países da União Europeia. É ainda de assinalar que 60% da mão-de-obra do sector desempenha funções de serviços dos quais 48% está adstrita aos serviços sociais. Em termos de receitas, 48% dos fundos correspondem a receitas próprias, 40% a apoio público e os restantes 12% provém de filantropia.
A investigação, que citamos, aponta quatro vertentes de desenvolvimento para este sector:
1) Aumento do conhecimento do público sobre o sector. É limitada a compreensão das organizações da sociedade civil como um sector único e coeso. Esta quase ausência de consciência de “sector” limita a capacidade do próprio sector em promover a filantropia, atrair o apoio do público e assegurar políticas favoráveis ao seu futuro desenvolvimento. Um passo útil nessa direcção seria tornar explícitas as ligações entre os diferentes tipos de organizações que constituem o sector não lucrativo/economia social. Uma compreensão mais clara dos aspectos comuns entre estas organizações geraria um ambiente político mais favorável para o sector como um todo.
2) Fortalecimento do enquadramento legal. A reforma democrática introduzida após a revolução de 1974 criou um ambiente propício ao encorajamento do desenvolvimento da actividade associativa. Com a rápida expansão do sector da sociedade civil, produziu-se um corpo legal difuso e complexo[2] a governar a formação e actividade dos diferentes tipos de organizações, provocando confusão e uma dificuldade de compreensão do enquadramento legal, diminuindo o impacto do sector no país. Para fazer face a esta situação, Portugal poderia levar a cabo alguma consolidação da estrutura legal do sector da sociedade civil através da sistematização das formas legais que as organizações podem adoptar e de uma maior consistência no tratamento fiscal destas organizações e das doações ao sector. Estas medidas ajudariam a dar maior consistência ao sector, dar novas garantias aos doadores, a simplificar a aplicação das leis, e potencialmente a encorajar uma maior transparência e capacidade de prestar contas por parte das organizações.
3) Melhorar a capacidade da sociedade civil. Numa época de considerável dependência de subsídios estatais e de apoios da União Europeia, um número crescente de organizações da sociedade civil em Portugal está cada vez mais consciente da necessidade de profissionalizar a gestão das suas instituições de forma a garantir o melhor serviço possível aos seus beneficiários. Há necessidade de, à semelhança do que fizeram outros países, estabelecer programas de formação académica ou não académica para os gestores das organizações da sociedade civil (e esta questão cruza-se igualmente com a necessidade de formação e profissionalização do voluntariado, uma das forças principais destas organizações). Esses programas de capacity building poderiam potenciar a capacidade das organizações da sociedade civil, melhorando a sua gestão, e contribuindo assim para o alcance de importantes benefícios públicos. Ainda que em número reduzido, as organizações portuguesas que já iniciaram esse tipo de programas devem constituir-se como exemplo a seguir pelo sector.
4) Melhorar as relações Governo – Organizações Não Lucrativas. Actualmente, parece permanecer alguma ambiguidade acerca das funções que o Estado deveria confiar às organizações da sociedade civil com o apoio do Estado.[3] De forma semelhante, permanecem algumas incertezas da parte do sector da sociedade civil e do público em geral sobre a cooperação apropriada da sociedade civil com o Estado, e sobre a forma como preservar, no quadro dessa cooperação, algum grau de autonomia. Fundamentalmente, existe a necessidade de repensar de forma séria as actividades do Estado para se determinar quais deverão ser levadas a cabo de forma mais flexível e eficaz através de uma cooperação público-privada sem fins lucrativos em alternativa a uma acção isolada do Estado.
[1] Apesar de alguns autores distinguirem os conceitos de Terceiro Sector, Economia Social, Sector Não Lucrativo, usamos aqui indiscriminadamente os termos, querendo-nos referir às instituições da sociedade civil, de carácter não lucrativo e que prosseguem fins sociais, culturais e ambientais.
[2] Portugal tem pessoas colectivas de utilidade pública, Instituições Particulares de Solidariedade Social, pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento que merecem tratamento especial do Estado. Ainda, o Código Civil inclui orientações gerais respeitantes às pessoas colectivas, fazendo referências específicas às associações e às fundações.
[3] Na actual legislatura foi patente tal ambiguidade na retirada de apoios estatais aos ATL’s e na recusa de adjudicação às Misericórdias de um programa de recuperação das listas de espera em Oftalmologia.
Sem comentários:
Enviar um comentário