Um grão de semente contém em si os princípios de uma dupla viagem: da raíz que se fundamenta na terra, do tronco que conquista o céu. Uma mão sobre uma folha de papel vazia procura o encontro nesses espaços em branco...

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terça-feira, 4 de abril de 2017

12 de Maio de 1982

Na televisão - ainda a preto e branco – a imagem de uma escada a encostar ao avião por onde momentos depois desceria João Paulo II para a sua primeira visita a Portugal. Uma voz mandava-me despachar para não nos atrasarmos. Porquê? Porque a nossa alegria estava centrada noutro momento, noutro local: no Hospital de Leiria, no nascimento do Primo João. Era preciso partir para ir vê-lo.

Por termos quase 10 anos de diferença, tive a GRAÇA de poder acompanhá-lo no seu crescimento: o menino de cabelos encaracolados que posava no Jardim de Infância para uma fotografia imortalizada na cómoda da avó Inácia; o menino curioso que me pedia para lhe ler os almanaques da Disney e que, inventava ele próprio as histórias quando eu não estava (mesmo não sabendo ler); a criança que nos entusiasmava com a sua consola e os jogos do Super Mário; a criança que fazia brincadeiras coreografadas com irmã Mariana e a prima Tânia; o rapazinho que se empoleirava comigo e com outros primos numa árvore no Valdeira; o rapazinho com quem não partilhava o gosto pelos Transformers e pelas Tartarugas Ninja mas que, mais tarde, viria a ser fã – como eu – dos Ficheiros Secretos.

Depois o João cresceu. O João cresceu em SABEDORIA. Procurei transmitir-lhe os meus poucos conhecimentos de solfejo. Era tão ávido por aprender que até queria que a mãe Bélita  - que é contabilista - lhe desse explicações de música. O João agarrou nisso tudo e descobriu-se num amor enorme à Filarmónica do Soutocico.

Depois o João cresceu mais um pouco. O João cresceu em ESTATURA: o João já ia ao cinema comigo, o João já ia concertos comigo, o João já saía comigo à noite para ir beber um copo a um qualquer bar em Leiria (Primos, lembram-se de irmos jogar Genga?).  O João já chegava tarde a casa e por isso o João já ouvia raspanetes dos pais. Um pouco mais a seguir e o João já estava na Universidade. E o João já fumava e eu já lhe cravava cigarros. Enviei-lhe uma t-shirt da ilha do Pico quando morava Açores. E arranjava-lhe copos de cerveja para a sua colecção. De permeio, ainda fomos juntos, algumas vezes, à Festa do Avante e arranjámos tempo para irmos aprender a dançar mazurga no Festival Andanças.

O João cresce distraído: esquece-se do casaco nos autocarros quando regressa da escola e obriga o pai Lelo a pegar no carro e ir atrás da carreira para recuperar os seus esquecimentos. Deve ter sido esse ar que, anos mais tarde, os meliantes em Lisboa se aproveitaram para o assaltarem algumas vezes. O João tem esse ar despreocupadamente interessado nas coisas, de quem passa pela vida centrado naquilo que é verdadeiramente importante.

Quando escrevi uma história editada em livro, o João entusiasmou-se comigo no Porto. Mais tarde seria eu a entusiasmar-me com ele e com o seu casamento com a Andreia e esse amor fecundo concretizado na Matilde. Em Lisboa dizia-lhe: «Caramba João, já és pai!»

Ainda há pouco, falámos de quanto humor a vida pode ter: eu a mudar-me para Lisboa por motivos profissionais, ele a regressar de Lisboa a Leiria com esse sentido responsável de quem queria dar mais qualidade de vida à sua família.

“The King and Me” de Benny Goodman é a música que me foi apresentada pelo João quando lhe pedi que me arranjasse um fundo musical para o conto infantil «João e a galinha». Escrevi mas a história é inteiramente dele: quem mais que o João para se lembrar de curar as enfermidades da galinha da Tia Lúcia através de solos de clarinete tocados a partir do terraço de casa dos seus pais? "The King and Me" é a música que tenho no telemóvel como toque de chamada, desde então. Agora será também aí que estarás sempre comigo, primo João!

No Domingo, 2 de Abril de 2017, deram-me a conhecer um lugar tenebroso, frio, terrível, escuro, e muito, muito doloroso. Agora sei que tenho alma. Agora sei que tenho alma porque me a arrancaram. A dor é tão profunda que parece vencer tudo: os abraços em que nos apertamos, as mãos que nos damos, os gritos que calamos, os silêncios em que explodimos.Mas houve um momento, um momento tão breve quanto a eternidade, tão pequenino quanto o infinito em que o João me confortou estendendo a sua mão sobre a minha face. A dor nunca passará. Mas o João falou-me que um dia esse lugar terá uma luz tão brilhante e tão intensa que nos poderemos voltar a unir para voltar a celebrar a alegria da vida.


(a foto foi tirada em Setembro de 2004 num jantar de aniversário / inauguração da minha casa no Porto)

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Não chegaste a dar-me um beijo, Júlia do Areeiro


Não me importa discutir isso... essa coisa da ligação entre o homem e o seu bicho

«Ela era quase humana» dizia ele.«Tinha coisas de pessoa» reforçava.

Pois que seja então

A mim importa-me mais aquele calor sentido no fundo de um abraço quando a tristeza o apequenou.
Tão pequeno que estava. Tão indefeso que parecia.

Não, não era eu que me agigantava mas de facto sentia-me enorme por ele me caber todo na minha mão, e eu quase esmagado com a responsabilidade daquela missão, com o ganhar consciência de que era em ele que eu verdadeiramente vivia. De que eu verdadeiramente vivo.

(e agora tenho mais um anjo, esta no Céu dos Animais. Não me chegaste a dar um beijo, Júlia do Areeiro)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Deve ser verdade essa história dos anjos...[in memoriam]

Partiu a minha avó Teresa ...

Na despedida de um amigo comum, Vasco Pinto Magalhães, sj., referiu que quando alguém próximo falecia era um anjo que ganhávamos no céu e por isso tinhamos de dar graça.

Não me recordo de ser muito próximo desta minha avó. Mas nos últimos anos ela questionava-me muito sobre o facto de, por vezes, nos darmos tanto a outras pessoas esquecendo-nos das que nos são familiares. Por isso - e porque o amor também se aprende! - obriguei-me a visitá-la: primeiro passeávamos de cadeira de rodas; quando já não havia essa possibilidade passámos a conversar na cadeira de salão, aprendendo a gostar dessas nossas conversas repetitivas sobre o mesmo; depois, quando já não havia conversa e nem reconhecimento da minha pessoa, apercebi-me do calor das nossas mãos dadas; depois, quando já não havia calor aprendi a gostar de lhe afagar o cabelo e de permanecermos em silêncio. E quando a serenidade eterna a invadiu adivinhei-lhe um encontro tranquilo com o meu avô.

E eu cá fiquei no envolvimento daqueles enormes braços. Talvez seja verdade essa história dos anjos ...




domingo, 8 de janeiro de 2012

Há qualquer coisa de errado ...

Há qualquer coisa de muito estranho - de errado?? - nesta história da finitude do tempo e do espaço em que joga a condição humana que num segundo nos faz estar aqui e no seguinte nos queima com uma ausência inesperada e fria.

Mas talvez aquele que parta repentinamente mas tenha dedicado a sua vida a enlevar o outro, a fazer sorrir uma criança, a defender os mais desprotegidos, a tornar grande o que era pequeno no meio de uma pauta de música, de uma anedota, de um petisco e de uma bebida, talvez, talvez essa pessoa se tenha libertado dessa finitude para ir habitar o lugar a que só GRANDEs têm direito.

É lá que está agora o meu amigo Mário.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Diz-me uma palavra bonita

Diz-me uma palavra bonita
Mas ao ouvido
Para guardar
Lá, naquele lugar onde
deverias estar sempre

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Aceita um copo de vinho?

Querido Jim,

Você é diferente, sabe? Nem sei porque nos procura. A mim só pede para me deitar nua na cama. Depois faz-me uma massagem às costas com aquelas bolas de madeira ... Custa cobrar-lhe mas sabe que preciso para pagar a pensão.

Sei que me procurou hoje de manhã. Ontem foi mais dificil do que o habitual. Tive com aquele homem que é um bruto mas o que quer? Uma mulher nesta vida não se pode negar, não é? E preciso desse pouco dinheiro que ele me dá.

Estive no canto daquele pátio semi-abandonado daquele prédio novo, ele a fazer o seu serviço... fixei-me no rapaz do 2º andar a observar fixamente. Coitado! O nada e o tanto que ele poderia fazer... Talvez vestir-me como uma senhora dessas que passeavam por aqui quando esta era uma zona rica da cidade. É o que diz aquela placa no canto do Jardim. Já me viu vestida como uma burguesa dos filmes que eu não vejo?

Ontem o cansaço pesou-me depois. Disseram-me as colegas que foi você que me foi buscar. Devia lembrar-me de si, da minha face pousada sobre a sua mão quente, das festas no meu cabelo. E eu aberta, parada, a pedir que enchesse os meus olhos vazios com essa coisa boa que tem dentro de si.

Venha hoje! A sério! Mas venha mesmo! Vamos tomar um copo de vinho e fingir que amanhã será diferente.

Maria.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Uma varanda quase a florir


Este ano, as flores da minha varanda começam já a desabrochar e parecem estar quase, quase a florir. Há uma trepadeira que se manteve "parada" durante anos e agora parece vir em todo o vigor (em menos de um mês um ramo cresceu 20 cm!). Gosto desse prenúncio de cor sobretudo por perceber o gosto na paciência por um tempo que é mais lento e que por isso às vezes parece que custa a passar...mas que depois aparece em todo o esplendor.
Penso nisso quando oiço dizer que quando alguém morre ficamos todos mais próximos de Deus. Não sei se olhe para isso com um lado de sorte ou tristeza sobretudo pela dor causada com a separação. O Carlos é meu mestre nas visitas às prisões e sinto a sua ausência com muita tranquilidade. O Pedro é meu amigo, primo,companheiro de bricandeiras de infância e partiu subitamente no início desta semana. É muito estranho pensar na morte como comunhão. E neste mistério de que a Ressureição acontece na morte e não depois da morte é algo que às vezes custa a 'engolir' mesmo para quem pensa que anda a construir alguma fé em Cristo.
  Este tempo de morte devia-nos orientar para as coisas que são mesmo importantes, aquelas pelas quais vale a pena lutar e construir. Aquelas que se erguem com calma por precisarem de tempo de reflexão e de maturação. Como as plantas de uma varanda que já já vão começar a florir

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Sinto-me orfão...

Desde sexta que me sinto orfão...Morreu um Mestre e julgo que quando tal acontece fico meio perdido porque há um vazio nas referências que parece que fica ali por preencher.

Nunca fui de grandes ídolos ou de me reverenciar perante personalidades embora, como é óbvio, admire e respeite imensa gente. Mas se calhar estou mais atento àquelas pessoas que foram moldando (que moldam!) a minha personalidade: os meus pais; as minhas professoras de História e Latim que sempre incetivaram o espírito crítico; o José António que me ensinou solfejo...

O Carlos Coelho já é do tempo do Porto, da minha entrada no voluntariado de visitas às prisões. E quando em Santa Cruz do Bispo se refere a ele como Carlos I isso quer dizer muito, não é? Ele que fez visitas creio que durante décadas, uma fez referiu-se a mim, logo nos meus primeiros tempos como "o Rui é profissional nisto". Digo-o com sentido orgulho porque quando um Mestre se refere-se assim a um aluno é porque o aluno está no caminho certo. E neste caso, o aluno era (sou) eu...

Disse o Pe. Vasco Pinto Magalhães que quando alguém morre todos nós beneficiamos porque ficamos mais próximos de Deus. E por isso há que pensar na morte como sinal de alegria. Confesso que, mesmo para mim que sou crente, este é um dos maiores mistérios... encarar com alegria algo que nos faz sofrer, no sentido em que temos de lidar com uma perda. Mas ao longo de todo o fim-de-semana, senti uma imensa tranquilidade nesta partida do Carlos, no exemplo de humildade que dava, no lava-pés que no caso dele se concretizava na atenção que dedicava aos reclusos.

Sinto-me orfão mas ao mesmo com o sentimento de que a responsabilidade é ainda maior.

Sinto-me

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Receita de Biscoitos de Gengibre (há muitas maneiras de se estar presente…)

O ano recomeçou com um (re)tomar bastante acelerado de várias actividades: a desconstrução das rotinas com o gato André; o terminar do curso de Formação de Formadores; a preocupação com o texto que tenho de escrever para a publicação comemorativa dos 500º aniversário da Misericórdia de Penafiel e a interrogação como abordar o tema da misericórdia. Regresso a duas novas funções na REAPN: a avaliação de projecto de intervenção social e a coordenação da delegação portuguesa ao 8ºEncontro Europeu de Pobres mas há muito mais…Integro a lista do MEP às eleições europeias, realiza-se uma formação este fim‑de‑semana e nem tive tempo de me preparar correctamente.

Ainda por cima, na sexta tenho também jantar do meu grupo de CVX a que não poderei ir. Mas aproveitando uma prenda de Natal -um livro de receitas de biscoitos - preparei umas bolachas de gengibre que acabei de fazer (os 10 minutos de preparação indicados no livro passaram a 3 horas...digamos que sou mais pensativo na abordagem que faço aos ingredientes)

Soube-me bem fazer esta pausa. Pode haver poesia numa receita de cozinha? Isso não sei mas estive (bem) acompanhado em espírito pelos meus amigos do Grupo Clô. Só isso explica que as bolachas (bolachas, biscoitos … o nome não interessa muito!) tenham saído bem logo à segunda!! Estão com muito melhor aspecto do que as do livro e em termos de sabor também. Quer dizer, não provei as do livro por desconfiar que iam saber muito a papel…

Querem a receita …? É le Cordon Bleu, bien sûr!
15g de manteiga com sal
15g de açúcar em pó
30g de calda dourada
20g farinha sem fermento
½ colher de chá de gengibre moído
Pitada de sal

Depois de uma tentativa frustrada de seguir o livro à risca – epá, era preciso usar pinças e matriz e abrir o frigorifico e fechar o forno e solidificar não sei o quê e arrefecer o restante, … – aqui vai a minha própria versão do modo de preparação: colocar tudo para uma frigideira, ir misturando até fazer uma massa mais ou menos homogénea. Retirar, estender com o rolo da massa e com um copo fazer pequenos círculos, retirá-los e colocá-los sobre um tabuleiro previamente untado. Ir ao forno até dourarem e depois retirar…Não é muito mais simples? Descobri logo esta forma à segunda tentativa..

E pronto… o jantar segue dentro de momentos com esta minha forma de não estar ausente.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O espaço da tua ausência

Um mundo de lágrimas
percorria o interior daquele corpo
sem ninguém saber

Uma luz ténue
queimava
o espaço da tua ausência

E eu perdia-me
sem te encontrar

Procurei...