Um grão de semente contém em si os princípios de uma dupla viagem: da raíz que se fundamenta na terra, do tronco que conquista o céu. Uma mão sobre uma folha de papel vazia procura o encontro nesses espaços em branco...

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terça-feira, 14 de outubro de 2014

Tu não és velha! És Vintage



Há um encontro entre dois lutadores pela liberdade numa prisão, depois numa casa na Costa do Castelo, depois num baile do Mercado da Ribeira, depois numa urna de cinzas. Porque é um encontro de uma vida.

Há um encontro com um país em protesto e afinal ainda em resistência: «Mãe, tu já és velha para andares nestas coisas. Há um encontro com o egoísmo e a ganância: «Mas porque é que a tua mãe não morre como toda a gente?!»

Há o encontro com os gatos! Os que pululam nos telhados e de quem só vamos ouvindo os miados. E com os que, abandonados, rejeitados e destruídos pela própria família, procuram escapar à vertigem negativa em que a vida os colocou relembrando os resquícios de honestidade que ainda mantêm:«Não me pode dar o caderno, porque se não eu não volto».

Há o encontro com o destino clandestino do fado na voz de Ana Moura. Há o encontro [homenagem] com o cinema português: com Joaquim Leitão e Tino Navarro que surgem fugazmente; com o habitual cameo de António-Pedro Vasconcelos; com a estreia enérgica de João Jesus e com o papel brilhantemente sereno de Maria do Céu Guerra. 

E há o encontro vitorioso sobre a solidão: «Tu voltas, porque de todos os terraços de Lisboa e do mundo, tu foste escolher o meu”.



sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A noite escura da escravatura



As chamas consomem lentamente a esperança enquanto o ecran se vai fechando em negro.


Há uma noite escura que nos aperta neste filme… quando as pás do barco esventram o rio e prenunciam a perda de liberdade…quando se percebe que manter a dignidade enquanto  ser humano  não restitui a liberdade…quando alguém presume que essa dignidade é sua propriedade… quando a loucura invade a todos na maldade perversamente mascarada de gestos simpáticos de uma mulher arrogante no despeito a que é votada pelo marido. Porque no meio dessa loucura organizam-se bailes, oferecem-se bolos, arrancam-se carnes com chicotadas, acompanha-se a despedida de uma alma com Roll Jordan Roll


Em Django unchained Tarantino retrava o tema com um humor absurdo e violento. Em 12 Years a Slave Steven McQueen retrata a escravatura na sua forma mais nua, crua e…negra! 


E infelizmente essa é uma realidade que continua presente nos nossos dias ainda que sob outras formas. E para abandonar a sombra que teima em fazer cair sobre si própria, a humanidade tem ainda um longo caminho a percorrer.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Das mãos de deus tudo aceito, mas que morra em Portugal [Da Gaiola Dourada]


Conheço aquele retrato mais pelo lado final: o dos reencontros no Verão quando vinham de férias: a língua portuguesa salpicada de francesismos, as festas na aldeia, os casamentos, agora os baptizados.

O realizador presta um excelente homenagem aos emigrantes ao mesmo tempo que faz renascer o género comédia no cinema português, porque embora de produção francesa, Gaiola Dourada é imensamente nosso. Não é de espantar. Ruben Alves conhece bastante melhor esse retrato e, com uma seriedade que só o humor permite, filma-o sem pudor nenhum de mostrar clichés: os honestíssimos e competentíssimos trabalhadores portugueses emigrantes em França (em trabalhos de ménage e na construção civil) com o seu bacalhau e o seu gosto pelo Futebol - "só há um único português, que não gosta de futebol e tinha logo de ser meu filho" mas mesmo assim uma bola perdida é resgatada pelo Pauleta. E também sardinhas assadas. E bons carros. E confusão com Espanha. E há os filhos com vergonha dos pais. E há a Linda de Suza em fundo musical e uma nota mais recente com Rodrigo Leão. E há ainda lugar para os Pastorinhos emoldurados na parede. E há sobretudo esse desejo-saudade de um dia regressar e construir a sua casa em Portugal

E desse fado e desse lugar de não pertença a lugar a nenhum (porque a identidade se fez e se faz nos dois países) nasce a esperança: "ao menos este [o neto] vai nascer em Portugal. Porque numa Casa Portuguesa acaba sempre tudo bem, com certeza!

terça-feira, 8 de maio de 2012

Fazer vida mesmo depois de uma certa idade [O Exótico Hotel Marigold]


Há um olhar de prenúncio de eternidade mesmo antes de uma ave branca levantar voo. Num filme sobre a terceira idade como não falar da morte? “Era inevitável que reunindo tantos velhos num mesmo lugar ela chegasse”, dirá uma das personagens...

Esse lugar fala de liberdade. Angustiado pela desgraça que fez cair sobre Manoj em adolescente, Graham [Tom Wilkinson] passou a vida a adiar os seus problemas cardíacos. No reencontro dos dois, percebe que a vida continuou sem  mágoa e por isso já pode partir.

Esse lugar também fala de verdade:-
- não escondendo a ligação a Graham, Manoj construiu com uma mulher uma relação de cumplicidade;
- . Evelyn [Judi Dench] busca a verdade agora no estado de viuvez: não  quer nova relação de dependência (personificada no filho) e parte para paragens distantes onde até se reconstrói como trabalhadora antes de descobrir novo amor;
- Jean Ainslie [Penelope Wilton] Douglas Ainslie [Bill Nighy] procuram o caminho agora que estão reformados: o conforto de uma residência senior – que até tem botão de alarme! – ou alojamento supostamente de luxo numa Índia distante? O hotel não é o que esperavam mas enquanto Douglas se reiventa em trabalhos manuais, Jean opta por virar à esquerda – para a primeira classe – e regressar. Não sem antes assumir a verdade do fim da relação e libertar Douglas;
-  Madge  e Norman [Celia Imrie eRonald Pickup]  apimentam o grupo com o seu pudor – ou falta dele – lembrando que qualquer idade tem direito ao prazer;
- Muriel – a sempre magistral Maggie Smith – completa este septeto.  Com a sua fleuma britânica e aquele ar de superiodade snob acaba forçada a receber tratamento por médicos indianos (pasme-se!).  A reconvalescença é período de observação dos outros mas também de si. E é nesse lugar que se deixa acolher ultrapassando a mágoa de ter sido dispensada da família que serviu toda a vida. É claro que manterá sempre a postura mas virá dela a solução para salvar o hotel.

Sete grandes actores juntos num filme aparentemente ligeiro que aborda os temas da dita terceira idade: abandono, solidão, dependência e claro, morte! O Exótico Hotel Marigold fica na India mas pode encontrar-se em qualquer lado onde se exerça o direito a fazer vida mesmo depois de uma certa idade.


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Um ano mais na vida como ela é...

A vida é mesmo assim: gente que adoece na primavera, gente que nasce no verão; gente que se apaixona no outono; gente que morre no inverno. E nesse inexorável passar das estações há gente perdida a buscar a felicidade investindo em sonhos estéreis, gente frustada a desencontrar-se de si mesmo e gente sólida a servir de abrigo-conforto para toda a outra gente.

A vida é mesmo assim! Como uma horta que pede cuidados permanentes para depois doar em dádiva os seus frutos. Há carinho a aquecer os abraços feitos no hall de entrada, na cozinha, no quarto, no barracão das ferramentas... em volta de uma chávena de chá ou de um barbecue.

Desempenho notável de Leslet Manville a contruir uma Mary que teima buscar sonhos em lugares que não são os seus e brilhante - ainda que brevíssima - participação de Imelda Stauton que marca o início do filme com o seu dramático pedido de comprimidos para dormir, para depois voltar a viver. Como se a vida pudesse ter pausas.

A originalidade de "Um ano mais" (de Mike Leigh) está nesse retrato tanto áspero como suave das relações humanas, no retrato da vida tal como ela é...sem efeitos, sem caracterizações defeituosas ou excessivas.Sobre tudo aquilo que nos acontece. Porque depois a vida continua....

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Que sonhos Deus terá para nós?

O dilema de uma mão sobre uma folha em branco... Que letras escrever? Uma tela enorme... que imagens projectar? Uma paisagem branca cortada pelo silêncio... que vidas sonhar?

É nessa plasticidade que Xavier Beauvois filma - sem pressas e nos ritmo e movimento adequados - esses encontros entre homens e deuses. Vários homens, a caminho de um início desconhecido, percorrem um caminho gélido atravessado pelo vento onde o branco da neve até à vegetação se impõe... Que quis Deus daqueles homens?

Uma comunidade de monges trapistas numa Argélia onde tudo lhe é negado. Menos o estarem presentes na comunidade. Nas consultas médicas gratuitas, nos conselhos pessoais, na solidariedade dos pequenos gestos, na oração com os irmãos muçulmanos, na vivência com os supostos inimigos ...somos chamados para servir aqui ... E aqui se entroncam chamando a si as aves em seu redor e descobrindo que Deus fecunda as flores no local onde elas estão.

E face externalismos ameaçadores (terrorismo) fazem esse caminho de descoberta de liberdade interior - partir é morrer; não tenho medo de morrer. Sou um homem livre. No final essa certeza de que descobriram um amor ainda maior do que qualquer amor terreno.

E por fim este mistério... do convite a uma constante renovação na certeza de que de nascença em nascença trazemos para dentro nós o que nos faz mais semelhantes a Cristo.

Que sonhos Deus terá para nós?


Testament spirituel du frère Christian


"QUAND UN A-DiEU S'ENVISAGE..."


S'il m'arrivait un jour - et ça pourrait être aujourd'hui -


D'être victime du terrorisme qui semble vouloir englober maintenant


Tous les étrangers vivant en Algérie,


J'aimerais que ma communauté, mon Eglise, ma famille,


Se souviennent que ma vie était DONNEE à Dieu et à ce pays.



Qu'ils acceptent que le Maître unique de toute vie


Ne saurait être étranger à ce départ brutal.


Qu'ils prient pour moi :


Comment serais-je trouvé digne d'une telle offrande ?


Qu'ils sachent associer cette mort à tant d'autres aussi violentes


Laissées dans l'indifférence de l'anonymat.


Ma vie n'a pas plus de prix qu'une autre.


Elle n'en a pas moins non plus.


En tout cas, elle n'a pas l'innocence de l'enfance.


J'ai suffisamment vécu pour me savoir complice du mal


Qui semble, hélas, prévaloir dans le monde,


Et même de celui- là qui me frapperait aveuglément.



J'aimerais, le moment venu, avoir ce laps de lucidité


Qui me permettrait de solliciter le pardon de Dieu


Et celui de mes frères en humanité,


En même temps que de pardonner de tout cour à qui m'aurait atteint.



Je ne saurais souhaiter une telle mort ;


Il me paraît important de le professer.


Je ne vois pas, en effet, comment je pourrais me réjouir


Que ce peuple que j'aime soit indistinctement accusé de mon meurtre.



C'est trop cher payé ce qu'on appellera, peut- être, la « grâce du martyre »


que de la devoir à un Algérien, quel qu'il soit,


Surtout s'il dit agir en fidélité à ce qu'il croit être l'islam.


Je sais le mépris dont on a pu entourer les Algériens pris globalement.


Je sais aussi les caricatures de l'islam qu'encourage un certain islamisme.


Il est trop facile de se donner bonne conscience


En identifiant cette voie religieuse avec les intégrismes de ses extrémistes.



L'Algérie et l'islam, pour moi, c'est autre chose, c'est un corps et une âme.


Je l'ai assez proclamé, je crois, au vu et au su de ce que j'en ai reçu,


Y retrouvant si souvent ce droit-fil conducteur de l'Évangile


Appris aux genoux de ma mère, ma toute première Eglise,


Précisément en Algérie, et, déjà, dans le respect des croyants musulmans.


Ma mort, évidemment, paraîtra donner raison à ceux qui m'ont rapidement


traité de naïf, ou d'idéaliste :


« Qu'il dise maintenant ce qu'il en pense ! »


Mais ceux-là doivent savoir que sera enfin libérée ma plus lancinante curiosité.



Voici que je pourrai, s'il plaît à Dieu, plonger mon regard dans celui du Père,


Pour contempler avec lui ses enfants de l'islam


Tels qu'il les voit, tout illuminés de la gloire du Christ,


Fruits de sa Passion, investis par le don de l'Esprit


Dont la joie secrète sera toujours d'établir la communion


Et de rétablir la ressemblance, en jouant avec les différences.



Cette vie perdue, totalement mienne, et totalement leur,


Je rends grâce à Dieu qui semble l'avoir voulue tout entière


Pour cette JOIE-là, envers et malgré tout.


Dans ce MERCI où tout est dit, désormais, de ma vie,


Je vous inclus bien sûr, amis d'hier et d'aujourd'hui,


Et vous, ô amis d'ici,


Aux côtés de ma mère et de mon père, de mes sours et de mes frères et des leurs,


Centuple accordé comme il était promis !



Et toi aussi, l'ami de la dernière minute, qui n'aura pas su ce que tu faisais.


Oui, pour toi aussi je le veux, ce MERCI, et cet « A-DIEU » envisagé de toi.


Et qu'il nous soit donné de nous retrouver, larrons heureux,


En paradis, s'il plaît à Dieu, notre Père à tous deux. AMEN !



Incha Allah !



Alger, l décembre 1993


Tibhirine. l janvier 1994

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O meu Concerto de Natal (2010)

Pela dificuldade de ir ver, neste Natal, um ao vivo acabei por ir ver este filme-concerto. Algures, no início, diz-se que o que se vai contar é baseado numa história verídica. E que bom é quando o cinema nos conta histórias assim de busca do sonho e auto-superação com humor e dramatismo bem doseados.

Às escondidas, do 1º balcão, Andreï Filipov (Aleksei Guskov) dirige a orquestra de Bolshoï até o seu telemóvel interromper o verdadeiro ensaio. Da reprimenda percebe-se que aquele antigo – grande - maestro da era Brejnev é agora um simples empregado de limpeza. Que por curiosidade, equívoco ou simples vontade de vingança desvia um fax-convite do Teatro Châtelet. Que, por loucura, engendra o plano de reunir os velhos amigos músicos, também eles afastados da Orquestra, e levá-los a Paris.

E começa aí a viagem e aventura. Reticências e dúvidas no início mas sobretudo desejo de novidade leva a maioria a abarcar nessa Argo que os levará de uma Moscovo confusa – entre um novo-riquismo mafioso e um saudosismo comunista que teima em permanecer – à mítica Paris. Bem filmada pelo romeno Radu Mihaileanu esta comédia de desenganos: o francês macarrónico do antigo-inimigo-KGB-transformado-em-novo-agente; as exigências desactualizadas do lado russo; o cumprimento das informalidades de embarque através do esquema ‘tenha agora mesmo um visto e um passaporte aqui no aeroporto; as confusões na chegada a Paris; a fuga dos músicos que adivinharam, talvez, nessa viagem uma hipótese de fuga da Mãe-Rússia…

Mas há depois a obsessão por Tchaikovski ( e o magnifico Concerto para D Major, op 35); há a elevação da perfeição contida numa nota só. Foi por isso que maestro lutou ao lado dos seus amigos judeus. Defronta agora o passado pela mão da virtuosa Anne-Marie Jacquet (Mélanie Laurent)…E depois de um início desastroso, a catarse dá-se com a orquestra e solista a atingirem a harmonia absoluta, a tal pela qual vale a pena lutar…

E mesmo que seja tudo tão mirabolante (como consegue um bando de músicos antigos, sem ensaios, com instrumentos novos tocar tão bem?!) é bom haver ainda numa época marcada pelo excesso de informação, histórias que remetem para o campo onírico da realidade onde os sonhos se concretizam.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Os miúdos ficarão bem....

Os miúdos estão bem? Aparentemente sim. Lisa Cholodenko (realizadora e argumentista) tenta normalizar neste filme uma família nada convencional: duas senhoras de meia-idade, casadas uma com a outra, com uma filha e com um filho adolescentes gerados por cada uma das mães com o esperma de um dador anónimo Confuso?


Os miúdos estão bem? Aparentemente os problemas são os de todos. Nic (Annette Bening) é uma médica de sucesso, um pouco controladora por ser o garante financeiro da casa o que lhe faz pensar que pode ser ela a ditar as regras. Jules (Julianne Moore) é a mãe que abdicou da carreira profissional para ficar em casa a tratar dos filhos e que, após estarem criados, tenta retomar um trabalho com o que isso implica de nova adaptações no seio familiar. Joni (Mia Wasikowska) vive a apreensão própria de uma adolescente prestes a soltar as asas do ninho familiar com a ida para a universidade; Laser (Josh Hutcherson) é um miúdo de 15 anos, que preocupa as mães por causa do amigo rufia. É dele a (natural??) curiosidade de conhecer o pai biológico, Paul, (Mark Ruffalo), dono de um restaurante e solteirão.


Os miúdos estão bem? Estão. OU não!! Percebe-se que houve verdade sobre a forma como foram gerados, que nada lhes foi escondido durante a sua educação. Mas o conhecimento do pai …há uma mãe perturbada com a complexidade da sua sexualidade, há uma empatia com o bio-pai (???) por causa desse laço biológico mas uma confusão sobre como gerir a entrada dele nas suas vidas e se há mesmo vontade de fazer crescer essa relação. E há um homem atrapalhado com a descoberta de uma suposta família que não sendo sua, tenta, sem sucesso, resgatar para si.


Os miúdos estão bem? Sim. Sente-se que foram criados com amor, esse amor que acaba por vencer mal-entendidos e traições. E como Laser dirá…vocês já são muito velhas para se divorciarem…


Os miúdos estão bem? Sim. Cresceram numa família que tal como todas as outras não é perfeita nem normal porque a definição desses conceitos é muito flutuante….A questão que se poderá colocar é a de saber se temos o direito de experimentar novos tipos de relacionamento. Mas mesmo que alguns deles me causem alguns pruridos e bastantes interrogações, tenho de admitir que é isso que, enquanto sociedade, temos feito ao longo do tempo.


(Os Miúdos estão bem tem 4 nomeações para os Globos de Ouro – melhor filme musical ou comédia, melhor argumento, melhor actriz de comédia ou musical [Annette Bening e Julianne Moore]. A seguir o caminho que fará nos Óscares. O filme não deveria não ser considerado uma comédia …Annette Bening merece a nomeação para Actriz Principal).


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

RED Retired Extremely dangerous

RED é um daqueles filmes de puro entretenimento ganhando originalidade sobretudo por incluir no seu elenco actores/actrizes normalmente não associados a filmes de acção que RED supostamente também é.


Bruce Willis [Fran Moses] encabeça esse elenco, no papel de um agente da CIA reformado que bem podia ser o envelhecido John McClane de Die Hard. Frank Moses combate a solidão rasgando os cheques da Segurança Social para assim ter desculpas para telefonar à sua Assistente Social [Mary-Louise Parker] , personagem aborrecida com a monotonia da sua vida quotidiana fantasiando aventuras com mais adrenalina do que o seu trabalho administrativo…

Até aqui nada de novo …


Depois o desenrolar habitual deste tipo de enredo. O passado regressa, há golpes de defesa pessoal, explosões de casas, … Para se proteger a si e à sua amada-para-ser, Frank regressa ao activo..


Até aqui nada de novo ….


Há cenas cómicas de mal-entendidos nos primeiros encontros entre os amados-para-ser, há perseguições de carros, há carros a rodopiarem à distância milimétrica das pernas de Frank enquanto este dispara,… Há reencontros com velhos amigos (o lunático John Malkovich e malandro Morgan Freeman) antigos colegas à espera de se desaborrecerem da sua vida de reformado. Há conversas de espiões russos, há assalto ao quartel –general da CIA… a fantasia de um filme de acção está lá toda


Até aqui nada de novo! E depois? Depois uma verdadeira dama junta-se à pandilha… Por debaixo dos seus muito britânicos hábitos de servir chá e bolos e cuidar das suas rosas, uma arma escondida. E só Helen Mirren para, com a sua fleuma britânica, afirmar I kill people dear.


E a verdadeira acção passa a estar centrada nela, no seu glamour, no requinte com que constrói a personagem de uma assassina altamente treinada que colocou sempre o serviço à frente da sua vida pessoal sacrificando o seu amor por um espião russo. A elegância de Helen Mirren denota bem o seu profssionalismo.


RED é um filme leve de entretenimento por se adivinhar o bom gozo que actores consagrados devem ter tido ao fazê-lo. E ao perpassarem esse sentimento para fora da tela quem ganham são os espectadores.


(vi este filme a 15 de Novembro na Guarda aproveitando uma deslocação de âmbito profissional)

terça-feira, 15 de junho de 2010

Um funeral que não se realiza


O filme, dizem-nos, procura reconciliar o público português com o cinema português. Tenta fazê-lo através de uma história de amizade iniciada nos tempos de frequência universitária, e do reencontro de velhos amigos num funeral de um deles. O argumento não traz em si nada de novo. Relembra os Amigos de Alex de Lawrence Kasdan (1983) e os encontros de A Residência Espanhola de Cédric Klapisch (de 2002).

A originalidade não está necessariamente naquilo que de novo se traz mas muitas vezes na forma como se conjugam ideias de outros. Neste caso, o filme começa por ser uma espécie de adaptação à realidade portuguesa: a acção é transposta para a Covilhã e para a sua mística vida universitária. È interessante o regresso a terras beirãs de quem se construiu, no tempo pós-universitário, a partir de Lisboa ou do Porto.

O desenho da estrutura narrativa é o adequado: o reencontro de velhos amigos pontuado por flashbacks de memórias. Mas por vezes a atenção dada a essas ramificações é tanta que se excede (é exagerada a cena, no hospital, de Marco e um miúdo com febre para apenas se concluir que João – o amigo defunto - lhe dirá que ele será no futuro um bom pai). Outras vezes [a estrutura narrativa] perde-se por não explorar linhas caracterizadoras do tempo de descoberta e de excessos das personagens: o caso mais flagrante é a experiência semi-lésbica de Diana que fica pelo ar sem ser aprofundada ao contrário da relação Rui/Vasco. Tantos avanços e recuos e alguns momentos empastelados (a atenção exagerada ao melindre causado por André acerca da relação homossexual de Rui e Vasco é bem exemplo disso) fazem com que o filme não consiga dosear os seus ritmos narrativos e balancear a importância dos seus momentos fazendo que não ganhe verdadeiro folêgo e não impedindo, assim, que as quase duas horas sejam por vezes aborrecidas. Salvam-se as cenas com Joaquim Nicolau (no papel de taxista furioso por lhe terem vomitado o carro) e de Adelaide João (no papel de beata exageradamente zelosa dos alunos a quem aluga quartos). Dois secundários a cumprirem bastante bem os seus papéis.
Perpassa, também, uma espécie de limbo: de João, o amigo morto (de quem não se chega a explorar originalidade de como um colega apagado era a o factor de união do grupo); dos actores que não conseguem soltar as suas personagens. (Hugo Tavares, por exemplo, nunca consegue soltar o ‘seu’ professor Zé e o seu dilema entre a vida boémia de universitário e a responsabilidade do tempo presente).

Restam as alusões cinematográficas: um piscar de olhos ao momento mágico de Singing in the Rain e uma brevíssima alusão ao final de Casablanca (Isto pode ser o início de uma grande amizade) mas até estas, sobretudo a última, são mal exploradas.

O público português merece a reconciliação com cinema português. E é de louvar esta iniciativa de produção de um grupo de amigos, feita sem apoios financeiros privado ou estatal. Pena é que este funeral nunca chegue a realizar-se como filme.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Calma perturbadora (ou Das impressões de 'Os Esquecidos' de Pedro Neves)


Há algo de perturbadoramente calmo naquela cena final. O fim do dia impõe-se sobre o rio Douro vendo-se ao fundo o turístico postal do conjunto Serra do Pilar – ponte Luís I.

A câmara abre horizonte e a cidade vai aparecendo. È estranho este mundo realizado por Pedro Neves. Sabe-se (saberemos?) que não fica muito longe dali…basta seguir para nascente até àquela bandeira portuguesa rasgada pelo vento. Está pois muito próximo, demasiado próximo para o esquecermos. Afinal não dista mais do que alguns metros para o alcançarmos. É vizinho das nossas casas. E com esse gesto banal de pentear o cabelo, abre-se um convite a partilharmos a sua intimidade.

É uma história de amor. Do amor em forma de memória de Zé Luís pelo seu pai … Do amor de Alexandre pelos pais apesar da tristeza de não ter dinheiro para os levar a jantar fora no dia do seu aniversário. Do Albino que conheceu Helena numa festa de S. João. Do não abandono de Candidinha por Elísio mesmo que aquela tenha problemas de saúde que o impossibilitam de se afastar muito. Do amor retratado em actos de cumplicidade: no gesto de calçar as meias à esposa e de lhe fazer o almoço. «Se não fosse eu, ela morria aí ao desmazelo». A partir desse amor em gestos – aparentemente – simples, os lembrados revelam-nos a sua intimidade. «Estou a falar verdade. Mostro o que tenho».

«È o século XXI em Portugal». Do «veneno» [droga?!] que consome os filhos. Do alcoolismo. Onde há analfabetismo. Onde os sonhos não vão muito para lá das chamas da fogueira daquela casa que tem como tecto o céu aberto. Este é um mundo onde as paredes se esboroam ao também simples gesto de passar a mão. Onde o frio tudo encolhe. Onde a chuva e o vento impõem silêncios escuros. Onde há quem chore. Um mundo a quem ninguém quer deitar a mão. «Pelo contrário, até gostam de ver a miséria». Onde só parece chegar a fé num qualquer Deus ou numa qualquer santa.

Há algo de calmamente perturbador naquela manhã que nasce sobre a cidade. Há quem sinta vaidade ao arranjar-se. Há quem se auto-nomeie «gestor de felicidade». Há quem veja coragem. Há quem não se deixe ensurdecer pelos automóveis nas vias rápidas. Há quem vá a esse mundo, com um olhar cru, para soltar gritos de atenção.